Mulheres, bolsas e mistérios

17/08/2014 00:27

Dificilmente encontramos uma mulher desacompanhada de uma bolsa. Isto é um fato inegável, visto que a bolsa constitui um acessório praticamente indispensável na composição do vestuário feminino.

Qualquer um de nós já deve ter ouvido ou feito comentários do tipo "numa bolsa de mulher cabe o mundo" ou "numa bolsa de mulher pode-se encontrar de tudo". E não é difícil ver uma mulher "perdida" entre os vários objetos guardados em sua bolsa, procurando algo sem o achar.

Outro fato inegável é que a mulher muito raramente deixa alguém entrever o conteúdo de sua bolsa. E, mesmo quando deixa, não o faz sem expressar aquela sensação desconfortável de estar sendo "revelada", "despida" diante de olhos estranhos.

Nota-se que tal sensação, embora ocorra principalmente diante dos homens, ocorre também em relação às demais mulheres. Dificilmente uma mulher se permite "explorar" o que existe dentro da bolsa da outra; parece que existe uma lei geral implícita de não-invasão, de não-curiosidade, movida por um sentimento de cumplicidade.

Apesar de existirem evidentes diferenças individuais, todas as mulheres compartilham de características psicológicas semelhantes, basilares mesmo, provenientes das várias faces do arquétipo feminino, da imagem primordial da mulher. Isto fica explícito na importância fundamental que todas elas conferem à bolsa.

A importância da bolsa é tanta, que se revela pelos detalhes: tamanho, formato, cor, acabamento (interno e externo), facilidade de manuseio, de abrir e fechar, quantidade de bolsos externos, presença de bolsos internos e divisórias e outros "lugares secretos".

Tantos detalhes assim refletem uma preocupação básica: a bolsa serve para acompanhar sua dona onde quer que ela esteja e, sendo assim, precisa ser o mais funcional, ergonômica, prática e bonita possível.

A moda, aqui, surge para satisfazer esta necessidade feminina em seus vários níveis, alimentando este eterno hábito das mulheres. A cada nova estação, designers de moda oferecem versões reformuladas ou renovadas desse acessório. E, assim, a bolsa vai se transformando ao passar dos anos, sem perder sua utilidade básica: guardar objetos, facilitando o seu transporte.

 

Os motivos escondidos dentro da bolsa

Uma coisa é certa: toda mulher prefere escolher pessoalmente a sua própria bolsa, já que esta será seu acessório pessoal e intransferível, acompanhando-a por onde for. Por esta razão, a bolsa é um meio valioso para se conhecer uma mulher, pois revela características pessoais de sua "dona". Pode-se dizer sem medo que a escolha do tipo de bolsa reflete os anseios e desejos da mulher que a usa, assim como sua imagem pessoal, expectativas de vida e visão de mundo.

Mais que um objeto de moda, a bolsa é um verdadeiro acessório psicológico para a mulher. E um acessório importantíssimo, quase vital para a composição de sua identidade - acessório do qual, muitas vezes, ela não consegue se separar.

Tudo o que uma mulher guarda em sua bolsa tem importância. Não importa se o objeto em questão tenha ou não grande valor monetário, cada item da bolsa feminina é valioso, tem um porquê definido, um motivo. Consciente ou ignorado.

Abraham Maslow, o psicólogo americano criador da Teoria Motivacional, chamou a energia básica capaz de determinar nosso comportamento individual ou social de MOTIVOS. Tais motivos foram classificados por Maslow em categorias, estabelecendo-se, assim, a hierarquia das necessidades humanas:

  1. necessidades fisiológicas ou básicas, que incluem também as de segurança;
  2. necessidades sociais, ou de associação;
  3. necessidades de Ego-Status;
  4. necessidades de auto-realização.

Observando e analisando as atitudes e comportamentos de um indivíduo, podemos saber quais os motivos que o impulsionam e o estimulam internamente à ação. Da mesma forma, tentar conhecer os motivos que se escondem por trás de alguns objetos comumente encontrados em bolsas é tentar conhecer um pouco da natureza da mulher que os carrega.

Sendo assim, com base na Teoria Motivacional do psicólogo americano Abraham Maslow, podemos tentar classificar o conteúdo das bolsas femininas nas seguintes categorias:

  • lenços, remédios, absorventes íntimos, óculos, escovas de dentes, preservativos/anticoncepcionais, bebidas, alimentos, guarda-chuvas: refletem motivos primários de ordem fisiológica, pois se relacionam à higiene pessoal, fome, sede, sexo, referem-se à proteção do corpo no sentido puramente físico.
  • chaves, dinheiro, cadernetas de endereços e telefones, telefones celulares, smartphones: indicam necessidade de segurança, no sentido de proteção contra o inesperado e perigoso, preocupação com um futuro não muito remoto. Os motivos de segurança, por estarem num nível imediatamente superior aos fisiológicos e muitas vezes se confundirem com estes, também constituem motivos primários.
  • pentes e escovas de cabelo, espelhos, batons, perfumes, estojos de maquiagem, bijuterias e afins: refletem intensa preocupação com a aparência física, no sentido de como ela é percebida pelos outros. Por estarem ligados intrinsecamente à vaidade feminina, indicam necessidades sociais de participação, associação, principalmente de aceitação pelos outros, de dar e receber amor (inclui-se, aqui, a questão da sedução, a poderosa "arma feminina" de conquista e reconhecimento pessoal). Além disso, esses elementos também refletem necessidades do Ego (Consciência), relacionadas à auto-estima (auto-respeito, auto-confiança, demonstração de competência) e à reputação (apreciação social, reconhecimento).
  • agendas de anotações diárias (diários), pequenos cadernos de notas, notepads, canetas, calculadoras, gravadores, ipods (ou quaisquer outros dispositivos para ouvir música), tablets, livros de qualquer gênero: indicam necessidade de auto-realização, planejamento do tempo futuro (não-imediato), administração de carreira e/ou da vida pessoal, aprimoramento do conhecimento intelectual e, acima de tudo, cultural. O indivíduo com essa motivação busca, essencialmente, o desenvolvimento de si enquanto ser humano, e certamente apresenta a maior parte de seus motivos básicos (senão todos) já satisfeitos.

A lista de ítens prossegue, quase infindável. Há, contudo, elementos bastante ambígüos, que tanto podem pertencer a uma categoria como a outra, ou até fazer parte de várias categorias ao mesmo tempo. É o caso dos smartphones, que podem tanto ser usados como meios de contato interpessoal para emergências (necessidade de segurança) como também servem para a comunicação do indivíduo com grupos, principalmente através das redes sociais online (necessidades sociais ou de ego-status, relacionadas à reputação e/ou reconhecimento social).

Um outro bom exemplo é o dinheiro, que devido a suas variadas formas (cédula, cheque, cartão de crédito) cumpre funções diferentes. Pode estar relacionado a necessidades de segurança (medo de estar sem dinheiro numa situação de emergência); porém, se a quantia for para prover despesas diárias como alimentação e transporte, visa planejamento de tempo não-remoto, o que indicaria satisfação de necessidades sociais.

Além disso, o dinheiro também pode estar relacionado com as necessidades de Ego-Status, pois talões de cheques e cartões de crédito sinalizam garantias e privilégios, planejamento do tempo a médio e longo prazos, "impressionam" por demonstrarem, muitas vezes, uma posição social satisfatória.

Documentos também se prestam a vários fins: desde confirmar a identidade pessoal (como por ex., CPF, RG, Título Eleitoral), garantir proteção e segurança contra o imprevisível e/ou perigoso (como por ex., cartões de saúde, convênios), demonstrar o status quo do indivíduo (carteira de motorista, carteirinhas de faculdade, clubes, associações), até a relação que a pessoa tem para com as instituições sociais e os papéis sociais que desempenha (Carteira Profissional e outros atestados profissionais).

Não importa a que se destina, o documento é, de uma forma geral, uma necessidade social. Ele mostra que a pessoa pertence a determinado grupo social e se adapta às suas exigências, cumprindo com suas obrigações civis. Portar documentos, portanto, significa satisfazer as necessidades do Ego (Consciência), relacionadas com a auto-estima, autonomia, competência e reputação social.

A presença de cigarros, isqueiros e afins pode caracterizar, num nível superficial de análise, a busca de satisfação de motivos sociais, necessidades de ego-status relacionadas à auto-afirmação e prestígio sociais.

Quanto aos motivos que levam ao ato de fumar, os motivos sociais são os mais discutidos publicamente. Mas, por outro lado, o cigarro pode servir também de fonte de satisfação de motivos primários de ordem fisiológica - não podemos esquecer que o vício do tabagismo, quando antigo, compromete e condiciona a performance do organismo sadio através dos efeitos nocivos da nicotina.

Considerando, ainda, os estilos de vida e crenças pessoais da mulher, pode-se constatar a presença freqüente de objetos ligados a religião, sorte ou superstição, como terços, santinhos, medalhas e até amuletos pessoais e talismãs. A não ser que sirvam para demonstrar que a mulher pertence a determinado grupo social religioso (o que indicaria necessidades sociais ou de ego-status), esses objetos geralmente têm a finalidade de garantir a salvaguarda pessoal ou a proteção espiritual, o que indicaria motivos básicos de segurança.

Analogamente, fotos de amigos e parentes próximos, pequenos presentes dados por alguém especial, lembranças de encontros sociais guardadas com carinho, às vezes bem escondidas num cantinho da bolsa, refletem motivações sociais de aceitação, de troca de sentimentos, de dar e receber amor.

Tais elementos evocativos também indicam o grau de envolvimento emocional da mulher, seu grau de romantismo, sua consideração para com a pessoa amada, até mesmo sua excessiva necessidade de guardar detalhes e momentos, de tentar controlar o tempo ou as informações sobre a pessoa querida.

 

A bolsa e sua função social

Uma bolsa que apresentasse pelo menos um elemento representante de cada categoria de motivos (primários, sociais, de Ego-Status e auto-realização) poderia ser considerada uma bolsa "completa", pois integraria os três níveis motivacionais classificados por Maslow.

Tal fato, entretanto, pode ser bem difícil de ocorrer, pois geralmente a mulher faz uso de várias bolsas, de diferentes tamanhos e estilos, cada uma adaptada a uma situação social específica. O mais comum, contudo, é encontrar bolsas que apresentam elementos pertencentes a uma ou, no máximo, duas categorias - no caso, objetos relativos às necessidades primárias e sociais.

Caso a mulher tenha condições de escolher, a bolsa usada por ela no ambiente profissional, por exemplo, não será a mesma usada em passeios, e tampouco será a bolsa usada em festas ou eventos sociais importantes. No entanto, para a mulher que trabalha fora, a sua "bolsa de trabalho" (por ser usada praticamente todos os dias) apresenta elementos que combinam vários de seus traços psicológicos e que, naturalmente, satisfazem várias de suas necessidades pessoais.

Cada tipo de bolsa, portanto, é criteriosamente adaptado à ocasião em que é usado, e esta função de adaptação é que determina o que será guardado dentro delas. No caso, a bolsa de trabalho é a que melhor parece refletir a personalidade feminina, servindo como notável referência para analisarmos como os vários papéis sociais estão sendo desempenhados pela mulher moderna.

 

[© Rosy Feros, 1993. Ensaio originalmente publicado na revista eletrônica online "InterNeWWWs" em mai/1999]

 

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