Testemunhal Telemático: O videotexto que a internet brasileira esqueceu

19/01/2015 03:40

Logomarca do Videotexto - Telesp VTX (São Paulo, Brasil)

Telemoção no videotexto (1)

Meu encontro mais marcante com a poesia foi com o meio eletrônico: telas, pixels, bits. Telemoção.

Foi com o sistema videotexto (VDT, para os íntimos) que conheci pela primeira vez o que era a comunicação por redes, o sangue pulsando pelo fio do telefone.

"Videozine" foi minha primeira escola: um fanzine telemático, uma espécie de revista eletrônica sobre assuntos variados (quadrinhos, poesia, filosofia, anarquismo, cultura underground), com linguagem adaptada para os novos suportes tecnológicos. Estávamos em Santos, litoral de São Paulo, Brasil. Ano de 1990. Ninguém sonhava com internet ainda.

Lá na faculdade, no hoje extinto Laboratório de Telemática da UniSantos, liderados pelo grão-mestre Sílvio Bergamini (um dos primeiros a trazer o sistema VDT para o Brasil e então Coordenador-Fundador do Laboratório de Telemática da UniSantos) e seu fiel escudeiro Clóvis Bevilacqua, eu e mais alguns amigos nos reuníamos em volta da fogueira para discutir sobre o avanço das novas tecnologias da época, que acabaram ajudando a gerar o ciberespaço telemático que hoje é a internet brasileira.

Anúncio do Videotexto dos anos 1980

O primeiro Laboratório de Telemática da América Latina

Certas explicações, entretanto, fazem-se necessárias para se entender a magnitude dos projetos telemáticos desenvolvidos na UniSantos. Desde os anos 80, a UniSantos era a única universidade da América Latina a ter um laboratório de Telemática, com uma ilha de edição/workstation (um computador desktop que rodava em UNIX), na qual se produziam as páginas/telas de informação.

Na época, a provisão de acesso ficava a cargo da TELESP, empresa estatal de telefonia responsável por São Paulo. A UniSantos atuava como provedora de conteúdo (denominada Fornecedora de Serviços-FS) e era uma entidade de respeito no ambiente telemático, desenvolvedora de projetos de educação on-line e de bancos de dados temáticos, criados a partir da convergência de conhecimentos entre professores-pesquisadores, alunos e demais usuários do VDT.

O nosso grupo que trabalhava e pesquisava no Laboratório era uma mistura curiosa de estudantes universitários, professores e mestres. O motor de nossas discussões era a importância da interatividade on-line e o desafio de adaptar a linguagem das mídias tradicionais para o novo meio eletrônico. Discutíamos muito os novos conceitos em arte e comunicação, e como a tecnologia dos computadores conectados influenciava tais processos.

Central de Videotexto Jornalista Emir Nogueira 

O surgimento do ciberespaço telemático brasileiro

Na verdade, estávamos todos maravilhados diante da miríade de possibilidades geradas pela telemática, embebidos pela magia de participar de uma nova forma de comunicação que estava nascendo, de um meio ainda conhecido por poucos. Da magia de poder congregar interesses iguais apesar das distâncias, quebrando ludicamente as barreiras de espaço e tempo.

Naquela época, estávamos vivenciando pela primeira vez o que era participar de uma comunidade on-line, fiel e extremamente crítica, ressabiada e deslumbrada com os processos telemáticos. Algo tremendamente difícil de se explicar num Brasil em que poucos conheciam o VDT, pois praticamente ninguém tinha computador - até porque poucos tinham acesso a aparelhos de telefone no país.

Naqueles tempos, não se falava em internautas ou formulários, mas usuários e fichas interativas. Não existiam e-mails, mas apenas mensagens. Não se falava em browsers, sites ou homepages, mas apenas em páginas, telas. A rede era um livro aberto e inexplorado.

No videotexto, não se dizia virtual, mas sim telemático. As emoções eram reais, os fios de telefone eram veias vibrantes, injetando adrenalina nos usuários.

Eu, que nunca antes havia sequer imaginado lidar com computadores e não entendia uma só linha de programação, acabei me envolvendo com o VDT de uma forma impensável, absurda. As experiências vividas através das vias telemáticas passaram a ser o centro de meus interesses, minha grande descoberta pessoal, científica e tecnológica. E, inacreditavelmente, tais experiências foram também uma grande revelação poética para mim.

Videotexto - Noticiário do Porto - Santos, São Paulo

Poesias Telemáticas, a poética das novas tecnologias

Durante quase dois anos, trabalhei no Laboratório de Telemática da UniSantos. Primeiro, como acompanhante curiosa das atividades da então monitora Paula Prata (que, junto com Flávio Calazans, na época recém-mestre em "Propaganda Subliminar Multimídia", foi idealizadora do "Videozine"). Mais tarde, como monitora, ajudei nas tarefas de composição e atualização do banco de dados on-line da Universidade, além de administrar os processos de interatividade.

Da experiência com os amigos no "Videozine" e devido à participação ativa na composição do banco de dados da Universidade, surgiu a oportunidade de eu montar um programa próprio, a convite de Silvio Bergamini.

Foi assim que surgiu o programa "Poesias Telemáticas" - meu 1º lugar na rede videotexto brasileira, onde eu assinava poemas  construídos a partir de minhas experiências pessoais, e também das experiências vividas nos videopapos com pessoas que também estavam descobrindo, sozinhas, o novo meio.

Por cerca de um ano (de 1991 a 1992), mantive as páginas do "Poesias Telemáticas"  (que hoje poderíamos chamar de site), com atualizações semanais. Na época, raros eram os espaços totalmente dedicados à poesia autoral. A maioria dos programas na rede era composta de murais eletrônicos onde cada usuário inscrevia seus poemas, que tanto podiam ser próprios ou alheios.

No programa "Poesias Telemáticas", os usuários tinham a oportunidade de expressar suas opiniões através das fichas interativas (os antigos formulários de envio de dúvidas, críticas e sugestões), e eu aprendi bastante com suas críticas. Este feedback, sem dúvida, alimentava a própria Poesia. Como sempre, uns xingavam, outros aplaudiam, uns entravam na onda telemática da criação coletiva e outros não entendiam o porquê de se fazer poesia a partir da rede.

Mas o grande feito não foi exatamente ter um espaço só meu na rede VDT no começo dos anos 90 do milênio passado: grande mesmo foi a experiência obtida a partir deste primeiro contato com a rede telemático-virtual brasileira, cujas malhas estendiam-se nacionalmente pelas várias regiões do país e prometiam um admirável e rico desenvolvimento comunicacional da sociedade brasileira.

Videotexto de Santos (Santos, SP, Brasil)

 

Videotexto, o avô da internet

Ter conhecido o VDT naquela época me possibilitou entender os meandros da internet com muita facilidade. Ao entrar efetivamente na internet, em 1997, compreendi que as formas da rede atual são apenas um prolongamento lógico da rede telemática francesa.

Tela do Menu inicial do Videotexto da TELESP (São Paulo, Brasil)

E mais: quem vivenciou o VDT (até há pouco tempo chamado de "Plug Fácil" pela TELESP, serviço que depois foi cessado pela Telefónica) sabe que, apesar de toda parafernália tecnológica e efeitos pirotécnicos da internet e sua interface web, muita coisa desenvolvida nos tempos do videotexto raramente se encontra ainda hoje na rede. O VDT, apesar de sua simplicidade (ou por isto mesmo), permitiu avanços criativos na época que são desconhecidos dos usuários-internautas hoje.

Para muitos, infeliz ou surpreendentemente, a World Wide Web é reconhecida como sendo a primeira forma de rede, e isto é que faz toda a diferença: ter que vencer (desnecessariamente) o desafio de inventar a roda outra vez.

No entanto, para quem gosta de aprender com o passado e minimizar as tentativas de ensaio-e-erro, o VDT foi e é a grande escola. A França ainda hoje mantém firme e forte o seu Minitel, a rede videotexto francesa, a ponto de muitos franceses recusarem-se francamente a substituir a "antiga" rede tecnológica do Minitel pela "nova" Internet. E, apesar de sua tecnologia para muitos parecer "obsoleta" (já que é pré-internet e muitos a desconhecem), a França hoje coleciona vários exemplos de sucesso telemático, notadamente em serviços públicos sociais e e-commerce B2C (Business to Consumer, ou serviços de comércio eletrônico entre empresas e consumidores). (2)

É uma pena que as pessoas, às vezes, insistam em apagar as pegadas dos que já passaram, omitindo às novas gerações o aprendizado construído por quem veio antes dela. Mas é justamente por estas e outras formas de omissão histórica que acho que tenho, por dever, registrar aqui a minha experiência, deixando a dica de que não fui a única, e que muitos usuários do videotexto transformaram-se hoje em navegadores da web.

Veja bem: embora tudo isto possa parecer antiquado, estou falando do início dos 90 do século do passado. Não faz tanto tempo assim.

Mas, no fundo, o primeiro videotexto a gente nunca esquece.

 

[© Rosy Feros, 2002]

(1) Há uma referência a este artigo na Enciclopédia do Itaú Cultural, na biografia de Julio Plaza, como uma das fontes de pesquisa: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa3438/julio-plaza

(2) Quando este ensaio-testemunhal foi escrito, o Minitel francês ainda estava ativo. O serviço, entretanto, foi desativado pelo governo em francês em 2012.

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Vídeos

  • Reportagem da TV Curitiba (Canal 2) sobre a chegada do sistema de Videotexto, em 1984
  • Tela de videotexto animada com o poema "Lua na Água", de Paulo Leminski

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